sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ondas


(imagem:a onda- Cammile Claudel)

Ondas




Correi, rolai, correi _ ondas sonoras


Que à luz primeira, dum futuro incerto,


Erguestes-vos assim _ trêmulas, canoras,


Sobre o meu peito, um pélago deserto!


Correi... rolai _ que, audaz, por entre a treva


Do desânimo atroz _ enorme e densa _


Minh'alma um raio arroja e altiva eleva


Uma senda de luz que diz-se _ Crença!


Ide pois _ não importa que ilusória


Seja a esp'rança que em vós vejo fulgir...


_ Escalai o penhasco ásp'ro da Glória...


Rolai, rolai _ às plagas do Porvir!


[1883- Euclides da Cunha]

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Série - Sensações



Os Sentidos na Literatura...

Id

Tuas mãos vibrando pétalas brancas,
Criam sonhos de sons em círculo azul,
Véus de nudez, curvas de sol, estrelas,
Transcendentes desejos irreais.

A que parte não sei para onde vou
Se evoco as tuas mãos ou se estes sons.
Em parque solitário, eis que me perco.
Ausente de mim – sou o teu corpo etéreo

Reconstruo no Dédalo de mistério
Caminhos da infância e a hora apagada.
O Tempo é abstração dos meus recatos...

Bebo tua alma pela taça rubra
Duma papoula mística, ferida
Pelos punhais de prata dos sentidos.


Edgar Braga.

sábado, 20 de fevereiro de 2010



Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

LÉPIDA E LEVE - Gilka Machado



Lépida e leve

em teu labor que, de expressões à míngua,

o verso não descreve...

Lépida e leve,

Guardas, ó língua, em teu labor,

gostos de afago e afagos de sabor.



És tão mansa e macia,

que teu nome a ti mesma acaricia,

que teu nome por ti roça, flexuosamente,

como rítmica serpente,

e se faz menos rudo,

o vocábulo, ao teu contacto de veludo.



Dominadora do desejo humano,

Estatuária da palavra,

ódio, paixão, mentira, desengano,

por ti que incêndio no Universo lavra!...

És o réptil que voa,

o divino pecado

que as asas musicais, às vezes , solta, à toa,

e que a Terra povoa e despovoa,

quando é de seu agrado.



Sol dos ouvidos, sabiá de tato,

ó língua-idéia, ó língua-sensação ,

em que olvido insensato,

em que tolo recato,

te hão deixado o louvor, a exaltação!



- Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!

- Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!

Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de alucinação,

és o elastério da alma... Ó minha louca

língua, do meu Amor penetra a boca,

passa-lhe em todo senso tua mão,

enche-o de mim, deixa-me oca...

- Tenho certeza, minha louca,

de lhe dar a morder em ti meu coração!...



Língua do meu Amor velosa e doce,

que me convences de que sou frase,

que me contornas, que me vestes quase,

como se o corpo meu de ti vindo me fosse.

Língua que me cativas, que me enleias

os surtos de ave estranha,

em linhas longas de invisíveis teias,

de que és, há tanto, habilidosa aranha...



Língua-lâmina, língua-labareda,

Língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...

Força inferia e divina

faz com que o bem e o mal resumas,

língua-cáustica, língua-cocaína,

língua de mel, língua de plumas?...














Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,


amo-te como todas as mulheres

te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,

pela carne de som que à idéia emprestas

e pelas frases mudas que proferes

nos silêncios de Amor!..."



(colaboração gentil de Hod)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Série Olfato - Gilka Machado

O perfume na Literatura...


"...

Da janela transpondo o entreaberto postigo,
entra um perfume humano impelido pelo ar...
'És tu, meu casto Amor? és tu, meu doce amigo,
que a minha solidão vens agora povoar?'

A insônia me alucina; ando num passo incerto:
'És tu que vens...és tu! reconheço este odor...'
corro à porta, escancaro-a, acho a treva e o deserto.

E este aroma que é teu, aspirando, suponho
que a essência da tua alma, ó meu divino Amor!
para mim se exalou no transporte de um sonho."

(Fonte:A Cor do Gosto)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Série - Cor: Vogais Coradas


Em todo campo da sinestesia, o fenômeno mais conhecido é o das “vogais coradas”, talvez em virtude da divulgação do famoso soneto de Arthur Rimbaud, muito discutido e explorado, difundido largamente através de traduções em todas as línguas:

VOYELLES

“A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu; voyelles.

Je dirai quelque jour vos naissances latentes(...)

...

- O l’Oméga, rayon Violet de Ses Yeux!”

Nem sempre as traduções espelham com propriedade os sentimentos estéticos do poeta.

Encontramos duas traduções: uma, no livro “Poesia e Loucura”, de Antheaume e Dromard, em castelhano e a versão para a nossa língua, feita por Brant Horta, que não é assim das mais recomendáveis.

Eis uma tradução superior e mais fiel, feita por Gondin da Fonseca no seu livro “Poemas da Angústia alheia”:

A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,

Algum dia direi vossas fontes latentes: (...)”


Entre o “ I - de púrpura, hemoptise, ébrios lábios candentes, belos, em risos de ira ou penitentes ais; entre o E - (...) flechas de gelo, reis de luar,pálios trementes; entre o U – ciclos, vibrações de oceanos verdes, paz das veigas pastoris (...) e entre o O – supremo clarim de estranhos sons profundos, silêncios através dos Anjos e dos mundos e Ômega, fulgor lilás do Seu Olhar!” está, sem dúvida, a mais famosa página de Rimbaud, uma das suas loucuras, na sua própria expressão.

Há quem o considere página perfeita, “exemplo insofismável de sinestesia, paradigma de sensibilidade objetivada”...Gondin afirma mesmo que “O Soneto das Vogais é uma biografia de Rimbaud. Uma síntese dos seus problemas angustiantes. O ponto mais alto a que chegou sua rara, genial inspiração”.

Autobiografia ou brincadeira, o fato é que o soneto de Rimbaud é hoje universalmente conhecido e apontado como um exemplo de sinestesia, ou de paraestesia, e dos mais belos e expressivos.

Assim , impressões personalíssimas, sua transposição sensorial não se manifesta da mesma forma em todos os poetas que se impressionaram com a percepção das VOGAIS CORADAS...

E para você, qual seria a 'cor' das vogais?...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Poemini- presente 'de uma deusa das letras'... e Texto de Carnaval

Lu, a alegria e a gratidão são o sorriso da alma... conforme palavras da Gaivota Hod.

A amizade verdadeira e desinteressada dura o espaço da eternidade!!!

(clique na imagem)
Palhaço, eu?
(Texto de Graça Lacerda para o
Empório do Café Literário)

Arquibancadas e passarelas, tudo já desmontado. Depois do Carnaval, a realidade.
A mágica foi desmanchada, as máscaras caíram. Para ele, o Carnaval apenas emprestou toda essa força para manifestar seus sonhos, contidos durante aquele ano inteiro.
Coincidência ou não, Pierre Peter teria que realizar uma tarefa da escola, cursava segundo grau.
Tema: qualquer coisa que versasse sobre Carnaval; e o jovem iniciou então sua pesquisa, livremente.E talvez porque decidira brincar esse ano fantasiado de Pierrô, sentou e digitou:
“Pierrô – personagem criada na França... antes Pedrolino”...
Pierre Peter via sempre seus sonhos serem despertados em toda sua explosão, nos dias de Carnaval.
Mas para sua grande tristeza, mais uma quarta-feira de cinzas havia chegado.
As luzes da cidade estavam-se apagando e ele dormiu e sonhou... sob o disfarce do apaixonado Pierrô, e certo de seu grande amor, vê sua Colombina à distância, e ela nem lhe dirige o olhar, tão dividida estava entre seu amor e Arlequim. Ele sofre e lamenta, canta seu canto triste e brejeiro, porém não ousa revelar-se. Seus lamentos não externados deixam-lhe a certeza de que as máscaras são feitas, simples assim, para esse propósito.
Andarilho dos carnavais, Pierre Peter escondia a tristeza do olhar. Buscava-a pelo iluminado e agitado salão, ávido de encontrar sua musa, mas a solidão doía e apertava, em meio a todos aqueles confetes e serpentinas.
O colorido do baile não preenchia a sua solidão. A alegria e os trajes multicoloridos dos foliões pareciam zombar de sua dor.
Pierre Peter desperta e percebe mais uma vez seus sonhos feito cinzas, junto com esse dia, na avenida deserta.
Luzes, festa, alegorias, tudo havia ficado para trás, e soava agora em sua memória mais uma decepção:
- Quem sabe no ano que vem.
O encanto de mais um carnaval se esvai, e outra vez, a desilusão de Pierre Peter, um estudante brasileiro, sim senhor. Mais uma vez, venceu a ilusão de um colecionador de sonhos.
De volta a casa, senta-se e digita:
“Colombina, dama de companhia da corte, usa da beleza e sedução para envolver e manipular Arlequim, acrobata e trapaceiro, e Pierrô, o poético e romântico sonhador”.
- Sim:palhaço! E desmancha-se novamente em sonhos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A COR DOS BEIJOS

O gosto, o perfume e a cor
na Literatura...


O poeta Martins Fontes, de inspiração sempre elevada e sublime, confirma essa assertiva em seu poema:


BEIJOS


Aos vinte anos, meu beijo era um lírio escarlate!
Mas de tal fogo de granate,
Mas de tão rútilo rubor,
Que lembrava um clarim a alvorar em combate,
Quando o rebate é triunfador!


Foi mais tarde meu beijo uma flor cor-de-rosa,
Ainda de essência capitosa,
Sendo, entretanto, espiritual!
Nas pétalas continha a doçura radiosa
Da tuberosa
E do coral!


Há beijos verdes, beijos roxos, amarelos;
Há beijos brancos e singelos;
Beijos violáceos, de um matiz
Que perceber nos faz recônditos desvelos,
Tanto mais belos,
Quanto mais sutis.


Hoje o meu beijo é azul: tem a cor dos abismos,
Cor da esperança e da amplidão!
Fundem-se nos seus tons, todos os simbolismos

Entre os batismos
da iniciação.

(Série: A cor do Gosto - Dr. Otacílio de Carvalho Lopes)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Série Olfato - Castro Alves

O perfume na Literatura...
Nosso querido poeta Castro Alves, com a sensibilidade exaltada de artista genial, tinha, como se evidencia nas suas poesias imortais, profundamente desenvolvido o sentido do olfato, que lhe permitia, sem a presença da mulher amada, sentir-lhe na ausência os perfumes:

"Longe de ti eu bebo os teus perfumes"

O poeta distinguia em cada perfume a sua fragrância característica:

"Ora o cheiro é lascivo e provocante,
Ora casto, infantil como a inocência.
Ora propala os sensuais anseios
D'alcova de Ninon ou Margarida.
Ora o mistério divinal do leito,
Onde sonha Cecília adormecida."

Numa alcova, logo percebia o recender de essência e das flores, o que lhe fazia o sangue correr mais vivo e sensual nas veias. Quando a amante lhe fugia, recordava-a pelo olfato:

"Inda a almofada, em que pousaste a fronte,
O teu perfume predileto exala."

(imagem:JimHodges)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Projeto A Força das Palavras

"É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras"
(EugéniodeAndrade)

 
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